domingo, 13 de outubro de 2013

Being Niki Lauda

Um dos prazeres da boa literatura (mesmo que sob a forma de argumento cinematográfico) é o facto de o texto sair das mãos do autor, pertencer à humanidade. A obra publicada (Ethos), uma vez recepcionada por cada um de nós (Pathos) passa a colectiva, multi-facetada, extravasa o pensamento do autor, ganha asas (Logos) em cada um de nós, que extraímos um livro ou filme diferente do mesmo texto. É o caso do argumento do filme Rush, de Peter Morgan, que ontem vi, com agrado.

Agradou-me, claro, a acção. Tinha 13 anos em 1976, a época do filme. E nessa altura a Fórmula 1 era vivida muito intensamente, mesmo porque a globalização ainda era muito incipiente. A realização do filme, por Ron Howard, vem trazer-me uma perspectiva diferente, com novos meios (e cores, já que na altura a televisão era a preto e branco), do que então vivi.

Mas o que me agradou mesmo foi a moral da história: o belo blasé (James Hunt) em confronto com o feio e determinado (Niki Lauda). É mais uma revisão da Bela e do Monstro, para pôr assim a coisa - na realidade reconduzível à fábula da raposa e do ouriço expressa por Erasmo como "Multa novit vulpes, verum echinus unum magnum", e retomada por Isaiah Berlin em "The Hedgehog and the Fox".

Inegavelmente, a humanidade desenvolve-se nestes dois pólos, apenas aparentemente opostos. Peter Morgan nem deixa de nos recordar uma daquelas famosas frases postas na boca de Winston Churchill: "You have enemies? Good. That means you've stood up for something, sometime in your life". Reformulando-a para o amor suicida dos fréres enemies que se desenvolve entre Hunt e Lauda, ao ponto de se alimentarem nele mutuamente, no sentido de se superarem.

A nova moral que Morgan acrescenta ao velho adágio, segundo eu leio, e me agrada, é que o belo blasé apenas se supera realmente (e chega a campeão, antes de se apagar como um fogo fátuo), não quando procura ser popular, mas quando se assume feio e determinado, à chuva e sob a sombra de morte do monte Fuji. Hunt teve o seu momento Lauda, superou-se e ganhou, segundo Morgan.

E isso dá que pensar, neste mundo em que nos bombardeiam com ideais de beleza e popularidade.

Luis Miguel Novais