Acto I
Lentamente, imponente, descia a enorme escadaria. A Corte, reverente, lança um incontido Oh! de estupefacção e alegria. Coroando a majestática cabeça de Sua Excelência o Sol feito Rei, um volumoso refulgente e ondulado aparato capilar...
Acto II
Apressadamente, fatigada, subia a estreita escada. O público, excitado, assobiava, aguardava a entrada em cena do próximo revisteiro número. Subido o pano ela aí fica, à boca da dita, só, enfrentando o uníssono uivo, equilibrando sobre a frágil cabecita uma estranha, descomunal e dupla trança...
Acto III
Descompassadamente, agora, o andor abandona o compasso. O sacristão, apressado, encosta o escadote por onde, logo, sobe. Enleva e dobra o longo manto, e, da cabeça da Senhora estátua, retira o capilar adorno...
Intervalo
Como sei que é bom observador, caro leitor, tranquilizo-me no pensamento de que já percebeu o que há de comum nestas três situações, ou melhor encenações...
Finalle
Termina como o filme de Roberto Rossellini sobre o Rei-Sol: Luis XIV abandona-se ao conforto dos purpúreos aposentos privados, despe lentamente o cenário corporal envolvente, retira a peruca, e lê em voz alta: "Há uma elevação que não depende do acaso; é um certo dom de superioridade destinado aos grandes actos. É essa qualidade que marca a nossa diferença em relação aos outros homens e nos põe acima deles; mais que o nascimento, as honras, e o próprio mérito".
Diga lá o leitor se não é apropriado a esta nossa Era de encenação.
Luis Miguel Novais
(Excerto de texto primeiro publicado, em 18 de Fevereiro de 1989, no suplemento Mais do jornal Semanário)