sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Quatrième Gymnopédie

O locutor de rádio falava sozinho.

Ele não sabia, mas ninguém o escutava.

Ainda bem. Anunciava a quarta gymnopédie de Erik Satie.

Para o éter emitia a possibilidade de as estátuas terem uma quarta dimensão.

Que talvez tivesse escapado a Satie, quando concebeu os três ângulos das gymnopédies.

Mas, como ao locutor ninguém o ouvia, a todos escapou.

É muito provável que as estátuas não tenham alma. Mas não sabemos bem. A ele ninguém lhe tinha dito para não o dizer na rádio.

Bem vistas as coisas, é pouco provável que ele soubesse que não podia dizer que existe uma quarta dimensão para as coisas que têm três.

Tal como os astronautas da Apolo, que continuaram a transmitir quando já tinham sido desligados da televisão, ele limitava-se a dizer o que lhe parecia. Ninguém o ouvia, mas ele não sabia.

O que até o aliviava das consequências, segundo Mateus: felizes os pobres de espírito...

E o deixava só, e não apenas sozinho, com a criação intelectual. Logos, ergo sum.

Não tendo de se preocupar com os anunciantes, nem com o dinheiro, ficava cometido apenas à criação.

Simplesmente. Como os da Apolo, segundo Mateus. Em monólogos.

Há criações que não têm de ter público, nem propósito.

O contrário também é verdadeiro.

Mas menos feliz.


Luis Miguel Novais