Espírito de Férias (assim com letra grande, à deus grego), é coisa que já não sinto desde o ano em que entrei para a Universidade, 1980.
Nesse ano, segundo recordo, foi a primeira vez que senti falta de gozar uma daquelas brilhantes temporadas de 3 (três!) meses seguidos de férias. Dava tempo para tudo: ir para o campo, para a quinta dos meus bisavós paternos, em Silveiros, Barcelos, Minho, Norte de Portugal (sentir o cheiro da terra e da bosta de bovino, o zunido e picadas de moscas do tamanho de drones, a sombra verdejante das ramadas de vinho, a recheada biblioteca da minha avó Bela, as caçadeiras do meu avô e padrinho Joaquim, que nunca me levou à caça, e eu lá em cima, no meu quarto no pagode chinês da casa de brasileiro que construíram, no ano de 1900, a minha bisavó Miquelina, que era rica e ficou órfã ainda menor, e o meu bisavô Lourenço, que enriqueceu no Brasil); ou gozar a quente e esplendorosa Braga, construída pelos romanos de Vitruvio, no palacete de portugueses ricos de Braga, Minho, Norte de Portugal, dos meus avós maternos, Marizete (minha querida e activa madrinha) e Albano (na Rua Conselheiro Bento Miguel, 10, onde está hoje o Colégio Leonardo da Vinci), gozando a liberdade dos montes e vales na minha motorizada (que o meu pai não me deixava trazer para o Porto, porque tinha medo de motas, suprema ironia para quem, como eu, cresci no meio de uma família de fabricantes das mesmas, a Pachancho, fundada por meu bisavô materno António Peixoto); ou a praia e as discotecas nocturnas, no então muito longínquo (por falta de auto-estradas) Algarve, onde ainda hoje mantemos o mesmo apartamento, comprado por meus pais, Miguel e Rosa, na Marina de Vilamoura, no ano anterior à revolução de 1974); ou o mais que me desse na real gana. Três meses!
Naquele ano de 1980, ainda menor, com 17 anos de idade, chegado a casa feliz e contente porque tinha, mais uma vez, dispensado por boas notas dos exames orais do Liceu António Nobre, Porto - o que me conferia, como habitualmente, os meus três meses (!) de férias -, minha mãe informou-me que me inscrevera no curso de Verão de preparação para admissão à Universidade Católica, que frequentei (como vestibular do curso de Direito de seis anos em que entrei, e que completei sem perder nenhum ano, com a classificação final de Bom - tendo, entretanto, mantido a minha intensa atividade paralela de músico e agitador cultural, e logrado obter de meu pai, como prémio pela admissão à Universidade... uma motorizada para andar no Porto).
Desde 1980, nunca mais senti o Espírito de Férias. Que existe, existe. Sei-o. Com três completos meses... Mas eu nunca mais o vivi... Senão, de resto, não me tinha dado para escrever esta nota. Agora que procuro gozar férias, aqui perdido dedilhando num ecrã.
Luis Miguel Novais