Um dos prazeres da boa literatura (mesmo que sob a forma de argumento cinematográfico) é o facto de o texto sair das mãos do autor, pertencer à humanidade. A obra publicada (Ethos), uma vez recepcionada por cada um de nós (Pathos) passa a colectiva, multi-facetada, extravasa o pensamento do autor, ganha asas (Logos) em cada um de nós, que extraímos um livro ou filme diferente do mesmo texto. É o caso do argumento do filme Rush, de Peter Morgan, que ontem vi, com agrado.
Agradou-me, claro, a acção. Tinha 13 anos em 1976, a época do filme. E nessa altura a Fórmula 1 era vivida muito intensamente, mesmo porque a globalização ainda era muito incipiente. A realização do filme, por Ron Howard, vem trazer-me uma perspectiva diferente, com novos meios (e cores, já que na altura a televisão era a preto e branco), do que então vivi.
Mas o que me agradou mesmo foi a moral da história: o belo blasé (James Hunt) em confronto com o feio e determinado (Niki Lauda). É mais uma revisão da Bela e do Monstro, para pôr assim a coisa - na realidade reconduzível à fábula da raposa e do ouriço expressa por Erasmo como "Multa novit vulpes, verum echinus unum magnum", e retomada por Isaiah Berlin em "The Hedgehog and the Fox".
Inegavelmente, a humanidade desenvolve-se nestes dois pólos, apenas aparentemente opostos. Peter Morgan nem deixa de nos recordar uma daquelas famosas frases postas na boca de Winston Churchill: "You have enemies? Good. That means you've stood up for something, sometime in your life". Reformulando-a para o amor suicida dos fréres enemies que se desenvolve entre Hunt e Lauda, ao ponto de se alimentarem nele mutuamente, no sentido de se superarem.
A nova moral que Morgan acrescenta ao velho adágio, segundo eu leio, e me agrada, é que o belo blasé apenas se supera realmente (e chega a campeão, antes de se apagar como um fogo fátuo), não quando procura ser popular, mas quando se assume feio e determinado, à chuva e sob a sombra de morte do monte Fuji. Hunt teve o seu momento Lauda, superou-se e ganhou, segundo Morgan.
E isso dá que pensar, neste mundo em que nos bombardeiam com ideais de beleza e popularidade.
Luis Miguel Novais
domingo, 13 de outubro de 2013
domingo, 6 de outubro de 2013
Amêndoa Amarga - A Crítica aos Críticos
Façamos um movimento à volta da nossa (do Norte) gloriosa bagaceira. Oponhamo-la, bem alto, contra as faces corrompidas pelo amarelo ocre figadal das gentes que, lá para Lisboa, têm como estandarte a amêndoa amarga (essa reles bebida que progressivamente vai corroendo as mentes, outrora sãs daqueles que, em termos geográficos, têm como habitat a metade mais a sul deste nosso pedaço de hemisfério a que damos o nome Portugal).
E vem tudo isto a propósito do monopólio que os senhores da capital pretendem arvorar, estendendo os braços indiferentes e condescendentes a todo o resto da "província" metropolitana. É que, na nossa opinião (e não se sabe na de mais quantos dos restantes cerca de oito milhões de "provincianos", que normalmente não têm grandes oportunidades de o escrever, dada a centralização jornalística), Lisboa sente-se capaz de ditar as modas e anti-modas, os movimentos e anti-movimentos, as nódoas e anti-nódoas. Quando isso não passa, afinal, de mais um dos muitos grãos de areia que nos lançam aos olhos. Pretendendo até, talvez, esconder-nos o multi-facetado colorido de um país que, apesar de pequeno, ainda é uma realidade.
Definitivamente, Portugal não é só Lisboa. E se, tristemente, até agora, o pulsar que temos sentido é o de Lisboa, chegado é o momento de nos sublevarmos contra esse estado de coisas. Acaso pretenderão os escribas lisboetas que Portugal se cinge ao Bairro Alto, de onde (ao que parece), segundo eles, germina e floresce a hodierna cultura portuguesa? A verdade é bem outra: o resto da cidade e do país também vive, convive e cria.
E se nos transpusermos ao campo musical, aí, definitivamente, os alfacinhas nada têm que ensinar-nos. Até porque o que eles sabem, tambêm nós podemos ler nos jornais estrangeiros e, aliás, o que é melhor, podemos ouvir (bem antes, dadas as circunstâncias geográficas radiofónicas, e as de os circuitos comerciais trazerem os mesmos discos). É que, salvo alguns piedosos exemplos, esses cavalheiros (nem sempre!) dos jornais e das rádios (invariavelmente sediados em Lisboa) arvoram-se em grandes sabedores da bíblia deles (deveremos dizer, NME, ou Rolling Stone, ao até, porventura, Sounds), quando, no fundo, as pretensas novidades que eles nos dão estão alguns meses (anos-luz?) atrasadas, em relação à altura em que notícia ou a música corre ineditamente nos nossos olhos ou ouvidos. Efectivamente, esses trogloditas ("pessoas que vivem em cavernas ou debixo da terra"... dos dicionários), que se pretendem críticos, não passam de religiosos copistas das suas bíblias, mas por uma qualquer alquimia transformam-se em Donos da Verdade... Depois, é vê-los fazerem críticas a concertos de bandas portuguesas, invariavelmente guiados por parâmetros anglo-saxónicos, mas pretendendo descortinar aquela ponta de originalidade (seja lá o que essa for), que sobressai desses mesmos grupos, sem o que tudo lhes soa a cópia. E pergunta o incauto: poderão eles deixar de vislumbrar essas tais influências anglo-saxónicas, quando, a priori, as suas já o são? É a pescadinha de rabo na boca, tão do agrado dos mesmos.
Na verdade, o que é um Crítico? O que é ser crítico? Será que eu, tu, ele, nós, vós, eles, enfim, qualquer um pode ser crítico? É claro que sim! O que distingue um Crítico de um modesto espectador (deveríamos dizer, com maior propriedade, assistente!?) de um concerto (para falar apenas de concertos musicais, por conveniência de raciocínio), é que aqueles têm acesso a colunas dos jornais, escrevem e publicam na imprensa, enquanto estes outros se limitam à "passividade" de assistir. E depois é ver os críticos musicais "criticarem", sem para isso terem um mínimo de conhecimentos práticos sobre o que seja música, ou sobre como se faz música e se toca um instrumento. Será que para ser Crítico musical não deveria ser necessário ter um "pedigree", tal como aqueles honestos cães que se sujeitam a exposições?...
Luis Miguel Novais
(Texto primeiro publicado no Confidências do Exílio, número 1, em Maio de 1985, assinado sob o pseudónimo Biño do Porto)
E vem tudo isto a propósito do monopólio que os senhores da capital pretendem arvorar, estendendo os braços indiferentes e condescendentes a todo o resto da "província" metropolitana. É que, na nossa opinião (e não se sabe na de mais quantos dos restantes cerca de oito milhões de "provincianos", que normalmente não têm grandes oportunidades de o escrever, dada a centralização jornalística), Lisboa sente-se capaz de ditar as modas e anti-modas, os movimentos e anti-movimentos, as nódoas e anti-nódoas. Quando isso não passa, afinal, de mais um dos muitos grãos de areia que nos lançam aos olhos. Pretendendo até, talvez, esconder-nos o multi-facetado colorido de um país que, apesar de pequeno, ainda é uma realidade.
Definitivamente, Portugal não é só Lisboa. E se, tristemente, até agora, o pulsar que temos sentido é o de Lisboa, chegado é o momento de nos sublevarmos contra esse estado de coisas. Acaso pretenderão os escribas lisboetas que Portugal se cinge ao Bairro Alto, de onde (ao que parece), segundo eles, germina e floresce a hodierna cultura portuguesa? A verdade é bem outra: o resto da cidade e do país também vive, convive e cria.
E se nos transpusermos ao campo musical, aí, definitivamente, os alfacinhas nada têm que ensinar-nos. Até porque o que eles sabem, tambêm nós podemos ler nos jornais estrangeiros e, aliás, o que é melhor, podemos ouvir (bem antes, dadas as circunstâncias geográficas radiofónicas, e as de os circuitos comerciais trazerem os mesmos discos). É que, salvo alguns piedosos exemplos, esses cavalheiros (nem sempre!) dos jornais e das rádios (invariavelmente sediados em Lisboa) arvoram-se em grandes sabedores da bíblia deles (deveremos dizer, NME, ou Rolling Stone, ao até, porventura, Sounds), quando, no fundo, as pretensas novidades que eles nos dão estão alguns meses (anos-luz?) atrasadas, em relação à altura em que notícia ou a música corre ineditamente nos nossos olhos ou ouvidos. Efectivamente, esses trogloditas ("pessoas que vivem em cavernas ou debixo da terra"... dos dicionários), que se pretendem críticos, não passam de religiosos copistas das suas bíblias, mas por uma qualquer alquimia transformam-se em Donos da Verdade... Depois, é vê-los fazerem críticas a concertos de bandas portuguesas, invariavelmente guiados por parâmetros anglo-saxónicos, mas pretendendo descortinar aquela ponta de originalidade (seja lá o que essa for), que sobressai desses mesmos grupos, sem o que tudo lhes soa a cópia. E pergunta o incauto: poderão eles deixar de vislumbrar essas tais influências anglo-saxónicas, quando, a priori, as suas já o são? É a pescadinha de rabo na boca, tão do agrado dos mesmos.
Na verdade, o que é um Crítico? O que é ser crítico? Será que eu, tu, ele, nós, vós, eles, enfim, qualquer um pode ser crítico? É claro que sim! O que distingue um Crítico de um modesto espectador (deveríamos dizer, com maior propriedade, assistente!?) de um concerto (para falar apenas de concertos musicais, por conveniência de raciocínio), é que aqueles têm acesso a colunas dos jornais, escrevem e publicam na imprensa, enquanto estes outros se limitam à "passividade" de assistir. E depois é ver os críticos musicais "criticarem", sem para isso terem um mínimo de conhecimentos práticos sobre o que seja música, ou sobre como se faz música e se toca um instrumento. Será que para ser Crítico musical não deveria ser necessário ter um "pedigree", tal como aqueles honestos cães que se sujeitam a exposições?...
Luis Miguel Novais
(Texto primeiro publicado no Confidências do Exílio, número 1, em Maio de 1985, assinado sob o pseudónimo Biño do Porto)
sábado, 7 de setembro de 2013
Filhas de poeta
Beatriz, de que tens medo? Resposta: "tenho medo do medo".
Marta, és feliz? Resposta: "sou muito boa actriz".
Ego vos absolvo, com uma lágrima.
Luis Miguel Novais
Marta, és feliz? Resposta: "sou muito boa actriz".
Ego vos absolvo, com uma lágrima.
Luis Miguel Novais
quinta-feira, 21 de março de 2013
O mosquito pensador
Eis pois a luz.
Aquilo que nos atrai.
Matou os meus companheiros.
Luis Miguel Novais
Aquilo que nos atrai.
Matou os meus companheiros.
Luis Miguel Novais
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